quinta-feira, 29 de maio de 2008

A ilusão da posse

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"Enquanto um fica iludido com o título de propriedade,
Outro vem e toma por usucapião. ”


Fiz essa frase enquanto passava café. Achei bonitinha. Também tenho ócio criativo, ora.
O termo “posse” estava em voga ontem aqui em casa.

É possível ter posse de alguém? Sei que é possível fazer busca e apreensão de pessoas, mas posse não sei, não. Acho difícil alguém deixar de ser dono de si mesmo.

Ter posse de algo é ter algum domínio sobre a coisa, é tirar alguma faculdade que só a ela pertence. Em se tratando de pessoas isso não pode. Não se deve. É querer alguém mutilado, ou, a contrário sensu, querer que alguém se mutile por ti.

As pessoas lutam tanto para serem vistas e aceitas em sua magnitude, com seus sentimentos, aspirações, dores, angústias e prazeres mas, incompreensivelmente, tentam “coisificar” umas às outras.

A posse sozinha, sem pertencimento é vazia, ilusão. Ter um título de propriedade  como meu marido,  minha mulher é apenas uma reles manifestação de que algo lhe pertence. E quem disse que tal “coisa” de fato é tua? Quem tem nossa posse é  o dono do nosso  coração. Pode por uma aliança no dedo ou não. É  desnecessária a convenção.

Talvez por isso haja tantos relacionamentos frustrados, com pessoas que repetem de forma imbecil que Fulano “roubou a sua juventude” ou que foi “usada” por Beltrano. Só se rouba ou usa coisas, objetos. Quem se deixa ser tolhido, não pode reclamar.

As pessoas devem querer umas às outras inteiras. Não ter algo dela. Isso é limitar seu direito, sua liberdade. Também não deve ser interessante ter alguém que se deixe ser de outro.

O interessante em ter o amor de alguém é  justamente tudo  o que essa  pessoa destoante de ti acaba  por te despertar,  instigar.  Amar é  não ter nem precisar, é agregar.

É melhor possuir aos poucos, possuir por entrega. É diferente. Delicioso é possuir alguém que se rende a ti. É juntar, é se entregar ao outro também.

Por isso o usucapião. Nesse caso, humanizando essa forma de aquisição, é quando alguém se deixa possuir. Sem violência, sem título de propriedade. Onde a gente vai invadindo aos pouquinhos e ficando.

É a posse mansa e pacífica. Quando a pessoa tem pleno domínio de si mesma e, ainda assim, te deixa fixar moradia. Isso não precisa de nome algum. É amor, somente.

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4 comentários:

Zé XY disse...

Em tese seria a posse uma palavra e um sentimento negativo, em tese.
Mas, SIM, seria possível ter essa posse velada da pessoa, não como sentimento negativo, egoísta e primata.
Quando duas pessoas realmente estão se amando, estão em sinergia em empatia.
Uma tem a posse plena da outra.
Elas se auto possuem em tudo, dos sentimentos às vontades e prazeres.
São cúmplices uma da outra, é o mundo do nós.
Isso é o amor.
Infelizmente, poucos conseguem manter esta fraternidade esta cumplicidade.
A grande maioria entra após um tempo no mundo do “MEU”,
Agora teremos a posse com conotação negativa e destrutiva.

Zé, 31 05 2008

Anônimo disse...

é qdo alguem se deixa possuir, sem título de propriedade...


cafezinho inspirador este... hehehe

gostei do texto. tás fazendo o intermédio entre a literatura e o direito...

bjaum, qrida

Fábio Raimundi disse...

E quando, ao contrário da posse e da usucapião (sim, usucapião é feminino), somos vítimas de invasão? Quando alguém adentra nossa vida de forma abruta, como um tsunami, devasta nossa aptidão de ser, ignora nossos limites e sufoca o coração. Quando alguém, como um MST, devasta nossa terra de sonhos e faz casa em nossas vidas?

À propósito, toda sedução é invasiva, porque desbrava o alheio!

Fábio Raimundi disse...

Taí! A usucapião sempre inicia com uma invasão, cujo domínio pressupõe a posse. Então, tanto o iludido quanto o usucapiendo exercem a posse? No caso exposto pela Fabrine me parece que não, vez que o iludido (por ser ilusória a posse), não a detém de fato, apenas em seu pensamento, ou seja, funda-se em uma premissa falsa por imaginária!

E tome lexotan para entender (hehehe)! O direito é torto!