quinta-feira, 26 de junho de 2014

Conhece-te a ti mesmo e torna- te quem tu és



A música diz que a gente mal nasce e já começa a morrer. Sim, é verdade. Mas também é verdade que a cada dia renascemos. A todo momento células morrem e outras nascem. Tal qual Fênix, ressurgimos das cinzas de nós mesmos a cada golpe fatal que a vida nos dá.

Nem sei quantas vezes morri e renasci. Me reconstruí. Uma época pensei que as quedas eram atos falhos e tornei mais atenta no caminhar. Ingênua, não sabia que o caminho seria sempre assim, sinuoso, minado e escorregadio, mas, apesar de tudo, com lindas paisagens para contemplar. Lembro da lição do meu pai, ao dizer que não dava um próximo passo sem garantir que iria apoiar o pé em uma pedra bem alicerçada. Nunca tive essa certeza nos meus passos.

Desde cedo indagava sobre meus atos. Me apaixonei aos 6 anos, ele tinha 11. Na primeira discussão de relacionamento recebi um ultimato: só namoraria comigo se entregasse meu bico para o papai Noel. Na hora falei que sim, afinal estava apaixonada, mas após duas noites sem o bico rosa e furado vi que não estava pronta para dar o próximo passo.

Por essa idade também experimentei uma crise existencial: ir para a escola. Fui resistente, não gostava da hierarquia na hora de formar a fila pra entrar na sala de aula, nem de fazer teatrinho da família urso. Logo aprendi uma artimanha para fugir a encenação: ser narradora. Sempre me oferecia para ser narradora das histórias, assim participava sem ter que brincar igual criancinha. Virei narradora oficial até o fim dos meus dias escolares.

Mas essa sensação de não fazer parte do contexto sempre esteve latente. Acho que fui uma criança subversiva, frequentemente dava um jeito de escapar da aula de massinha de modelar. Dizia para a professora que estava com dor de barriga e iria para casa (que ficava do outro lado da rua), mas ao invés disso, me escorava em uma árvore do terreno baldio aos fundos com meia duzia de gibis de história em quadrinhos e ali ficava até bater o sinal e chegar em casa para o almoço. Depois de um tempo e muita conversa com meus pais aprendi a andar na linha, ou disfarçar bem. Ia para a escola todos os dias, obedecia aos professores, fazia todos os trabalhos de educação artística e tinha muitos amiguinhos.

E assim foi. Muitos amigos mas poucos confidentes. Raras pessoas conseguiram alcançar meu entendimento sobre as coisas. Não que eu estivesse além, só era diferente. Por vezes queria olhar uma pedra e ver só uma pedra. Não pensar em como ela foi parar ali. Se há aranha ou formiga embaixo dela. Se ela é gelada ou eu que sou quente, se quem é mais forte: a pedra ou a água ou então questionar a origem etimológica da pedra.

Até que um namorado me apresentou ao Nietzsche e Fernando Pessoa. Depois conheci Kafka, Sartre, Clarice Lispector, Oscar Wilde, Schopenhauer e meu círculo de amizade se estendeu. Senti pela primeira vez o que era estar em catarse. Quando os lia, era como se estivessem traduzindo minha alma. Senti, finalmente, comunhão com alguma coisa. Descobri que simplesmente sou existencialista, o que me faz estar em consonância com o mundo, sensível aos meus sentimentos e ao do outro. Atenta aos agitos internos e inconformada com a forma rasa de compreensão da vida. Nessa andança encontrei tantos outros como eu. Finalmente tinha achado minha tribo, apesar de não pertencer a nenhum rebanho.

Por vezes pensei em ser mais reativa, menos reflexiva. É impossível não pensar, porém isso não impede de viver. Com o tempo aprendi a ver beleza e felicidade nas coisas cotidianas e deixei de esperar uma data especial para abrir a última garrafa do meu melhor vinho. Parafraseando Oscar Wilde, as coisas simples são o último refúgio para um espírito complexo.

Desde então venho buscando me encontrar, achar um lugar tranquilo e confortável dentro da minha complexidade que torne equilibrada a existência. Meditação; corrida e natação; yoga e música; escrita e fotografia. Silêncio e falas; troca de ideias e afeto; contato com a dor e o amor do outro. Descobri que ser diferente me tornou igual a todos.

Buscar a si mesmo é uma tarefa que ganhamos logo que nascemos. Talvez seja o motivo para estarmos aqui, um cálculo complexo que não conseguiremos jamais tirar a prova real. Onde a busca pela resposta é a própria resposta. E assim vem a real felicidade. Ter lucidez, dar -se ao direito de sentir tudo o que a carne permite e o espirito comporta, não fugir da dor nem do prazer e pouco ligar para o que disserem sobre você.

Libertador é saber a real medida de si mesmo e lembrar sempre que és humano e, por isso, já nasceu perdoado. É nessa hora que deixamos de morrer e começamos a viver.

 
 
 


terça-feira, 17 de junho de 2014

Entre Onze e Trinta e Três



Quando se aproximou meu aniversário de onze anos decidi que queria fazer um galeto para comemorar. Isso significava um marco na minha vida. Era o fim do balão surpresa, doces e música do Trem da Alegria. Foi uma decisão bem pensada, já que seria um divisor de águas: deixaria de ser criança e estaria me tornando adulta, ao menos era essa a conotação que um aniversário sem balão e gelatina colorida tinha para mim.

Depois de conversar com a mãe sobre meu novo contexto existencial, baseando a tese no fato de eu não chupar mais bico desde os nove anos e já estar “mocinha”, comecei a organizar a festa de transição da infância para o mundo dos adultos. Fiz o convite para o almoço/balada apenas para os amigos que eram jovens adultos como eu e preparei o grande dia.  O pai era o assador, irmão o deejay e a pista de dança foi montada na garagem de casa com as luzes forradas com papel celofane para garantir o clima intimista.

Pois bem, a hora do almoço foi chegando e meus amigos não vieram, só estava meia dúzia de agregados da família, vizinhos e amigos dos meus irmãos. A festa foi um tremendo desastre!  Nessa hora fui apresentada ao mundo cruel dos adultos. Dias depois fiquei sabendo que meus coleguinhas não tinham entendido que era uma festa, porque quando convidei falei que era  almoço e não aniversário. Nessa hora percebi que estava lidando com crianças e não com jovens adultos como eu...

Os anos se passaram e perdi o hábito de festejar meu aniversário, até que este ano, sob pressão de algumas amigas decidi juntar o pessoal. Reservei camarote, showzinho de rock, lugar legal e tal. Convidei os amigos mais chegados - que confirmaram a presença - e fui festejar a idade de Cristo. Eis que novamente quase perco minha festa por W.O., meus amigos deram no show... alguns chegaram cedo e logo foram para um  show de pagode, outros chegaram na prorrogação do segundo tempo, sem contar naqueles que já tinham outro aniversário programado há mais tempo e nem entraram na lista VIP.

Essa história teria tom dramático se eu tivesse onze anos, mas com trinta e três... ah, nessa idade não precisamos mais de provas de amor, precisamos sim do mais autentico e sincero amor. Se meus amigos curtem certa banda de pagode, se outros chegaram tarde, atrasou a apresentação dos filhos na festa junina ou  tiveram outro compromisso, algum imprevisto ou se brigaram com o namorado, o que importa?  Sou adepta de cargas emocionais leves, pois de pesados já bastam os encargos da vida. Meus amigos agiram assim simplesmente por um motivo: eu os deixo livres. Livres para ir, vir, ficar ou sair. E a consciência disso lhes dão liberdade para serem o que são. É por isso que são meus amigos, por se mostrarem pra mim sem máscaras ou subterfúgios.

 Não quero visita protocolar, sorriso falso ou presença inanimada numa mesa de bar. Gosto de amizades vivas e latentes. Quero a autêntica presença de quem amo, amizade com cabresto não está entre as minhas preferências. Talvez essa seja a base para os relacionamentos sadios e duradouros.  Sou adepta daquele velho ditado: se amas, deixe livre... a pior coisa é o afeto forçado, sorriso amarelo e  uma “pseudo-companhia”.  O mundo está cheio falsidade, carne processada, pedras preciosas sintéticas, cerejas falsas feitas de chuchu, unhas de acrílico, couro ecológico e por aí vai... então se a cor dos olhos for falsa, que pelo menos o olhar seja verdadeiro. Por isso gosto dos meus amigos justamente como são, sem máscaras, de cara limpa e alma exposta.

Vou me sentir extremamente decepcionada se faltar alento nas horas de dor, se não houver alguém para arrumar meu véu na hora de entrar na igreja (sim, ainda quero isso...), se não tiver em quem apoiar quando meu mundo cair, rir quando eu contar desajeitadamente uma piada,  ou quando não tiver ninguém pra revisar um texto que escrevi as cinco da manhã. E quanto a isso, sei que faltam dedos nas mãos para contar quantas pessoas estão no plantão 24 horas para me socorrer.

Talvez seja isso, a certeza de ser amada e querida não deixa margem para insegurança e melindres.

Chega uma hora em que não somatizamos nem catalisamos dores desnecessárias pois, por mais largos que os ombros se tornem com os percalços da vida, a gente aprende que boa parte  da bagagem é descartável . E isso faz toda a diferença.

E qual o final da história? Com a ausência de tantos na festa, pude dar mais atenção a um novo amigo e encher minha agenda das próximas semanas com cafés, almoço e happy hour com aqueles que querem me entregar o presente ou dar um abraço atrasado. Ou seja: multipliquei minha festa!

A felicidade vem justamente quando aprendemos a guardar os dramas, medos e máscaras nas prateleiras do quartinho dos fundos e vamos viver, sem a obrigação de que saia tudo conforme o planejado, pois o melhor da vida acontece no improviso.


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