segunda-feira, 19 de junho de 2017

Quando Eu Tinha Dezesseis





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Quando eu tinha dezesseis anos achava que a vida era infinita, talvez pelo medo da morte.
Hoje, com trinta e seis, tenho certeza de que ela é. Mas meu corpo não e que a morte é só uma ficção e espero por ela, mas que venha em tempo, por hora, distante.


Quando eu tinha dezesseis não tinha nostalgia.
Agora com trinta e seis, aprendi que nostalgia é o bem querer do passado repisado.


Quando eu tinha dezesseis, amava Fito Paez.
Agora com trinta e seis, também.


Quando eu tinha dezesseis, achava que meus pais eram imortais.
Hoje com trinta e seis, um pai com AVC e mãe que superou dois cânceres e uma trombose, sugo o sumo de suas efêmeras existências terrestres.


Quando eu tinha dezesseis achava que odiava beterraba.
Hoje, com trinta e seis, amo o gosto doce desse tubérculo.


Quando eu tinha dezesseis lia Paulo Coelho e sonhava em fazer o Caminho de Santiago.
Hoje com trinta e seis, depois de ler Kafka, Sartre, Pessoa, Oscar Wilde , Clarice Nietzsche, e Bukowski ainda sonho em fazer o Caminho de Santiago.


Quando eu tinha dezesseis não tinha rugas.
Agora com trinta e seis, desfilo orgulhosamente pelas ruas com meu bigode chinês.


Quando eu tinha dezesseis fazia o que desse na telha.
Agora com trinta e seis, também.


Quando eu tinha dezesseis, sonhava em ser presa numa solitária com um violão onde tocaria lindas canções do Legião.
Hoje com trinta e seis, depois de tentar aprender, descobri  que tocar violão exige dedicação, destreza e talento que não tenho e também que o sonho da solitária é igual ao dos idiotas que vêem poesia na ditadura, além de achar o Legião o suprassumo da depressão.


Quando eu tinha dezesseis pensava que não gostar de algo sobre alguém me faria sua inimiga.
Agora, com trinta e seis, posso achar Legião Urbana depressivo e amar a música Metal Contra as Nuvens e outras tantas mas, ainda assim, não querer ouvir quando acordo num dia de sol.


Quando eu tinha dezesseis achava que o amor era fruto de uma geração espontânea.
Hoje, com trinta e seis e um coração retalhado, sei que ele é fruto de uma construção paulatina,não raro, de algumas vidas...


Quando eu tinha dezesseis, sonhava em casar e ter filhos.
Agora com trinta e seis também, mas já cogito congelar meus óvulos.


Quando eu tinha dezesseis, mudava a cor do cabelo conforme meu estado de espírito,
Hoje, com trinta e seis, também.


Quando eu tinha dezesseis achava minha irmã uma chata e démodé.
Hoje, com trinta e seis, ela é minha melhor amiga.


Quando eu tinha dezesseis, era maniqueísta. Entusiasta dos rasos extremos da vida.
Hoje, com trinta e seis e dez anos de advocacia familiar, sou mediadora, partidária do caminho do meio.


Quando eu tinha dezesseis fazia terapia.
Hoje com trinta e seis, também.


Quando eu tinha dezesseis achava que as borboletas e a fênix me representavam.
Agora, com trinta e seis, também.


Quando eu tinha dezesseis achava que ser caçula me fazia ser a eterna criança da família,
Hoje, com trinta e seis, sei que serei a eterna menina sapeca da família, mas que o meu irmão mais velho,  extremamente exigente e crítico, vai me chamar para ser a sua advogada (e pagar os honorários, mesmo que eu não queira).


Quando eu tinha dezesseis, achava que meu coração era do tamanho da minha mão fechada.
Hoje com trinta e seis, sei que meu coração consegue pulsar e habitar milhas de distância.


Quando eu tinha dezesseis, achava que era dona do mundo e senhora do meu destino.
Agora, com trinta e seis, não tenho mais dúvidas. Sou dona do meu mundo e senhora do meu destino!




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quarta-feira, 1 de março de 2017

Sobre o eterno, o presente e o amor

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Minha irmã mostrou uma foto em que dormia com seus quatro filhos, pediu que eu escrevesse um texto sobre amor baseado nela. Disse que desejava que o tempo parasse nessa foto para manter as crianças pequenas e sempre perto dela. Lembrei de várias situações em que eu gostaria que o tempo parasse.

Quantas vezes desejamos que nossa vida pairasse numa imagem? Como naquelas dos amores de carnaval que passaram tão rápido, da paixão existente no início dos relacionamentos, dos abraços fortes, dos beijos sufocantes que nos enchem de vida e que gostaríamos de eternizar. Do colo da mãe, de brincar com o pai, dividir o chocolate com os irmãos, de cruzar um olhar que ficou eternizado no passado entre dois jovens corações que poderiam ter para sempre se amado se tivessem sido apresentados. Lembrei também do vídeo que acabei de receber de um estimado amigo apresentando sua primeira neta.

Imagino os pensamentos que lhe vieram à tona, mesmo que por um rápido lampejo, no voltar no tempo. Lembrou, com certeza, da primeira vez que pegou sua filha nos braços e mostrou para os amigos aquele pacotinho tão esperado e já um pedaço indivisível de si, mesmo que recém a conhecesse. Assim como a minha irmã ao ver a foto dos seus filhos aninhados junto dela em sua cama. Nessa hora queríamos ter o poder da alquimia sobre os segundos.

Por outro lado, se tivéssemos esse poder, de quantos outros momentos lindos seríamos furtados? De dar um segundo abraço mais cúmplice, de ver as crianças crescerem ou reencontrar com mais maturidade aquele olhar encantador do passado e poder viver a mais linda história de amor. A vontade de tornar eterna a efemeridade contida na felicidade latente nos tolhe muitos momentos de mais amor. Aceitar a passagem rápida da vida é o segredo da felicidade.

Queremos congelar o tempo para guardar as boas lembranças, mas esse apego enevoa a esperança de acordarmos no dia seguinte com vontade de termos dias a mais. A gente só lembra do que pode perder sem lembrar que o melhor sempre está por vir. Querer manter o estado presente mata a alegria que está nos esperando de braços abertos ali na frente. Meu amigo não teria a felicidade de segurar sua neta se não tivesse deixado sua filha crescer ou tivesse sido privado de envelhecer.

O amor de verão pode viver até o inverno, um primeiro beijo pode se repetir a cada novo dia, a cumplicidade de uma noite de carnaval pode perdurar até o próximo Natal. Um casamento falido pode dar lugar a mais felicidade quando as crianças deixam de presenciar brigas e compartilham a alegria de ver um novo amor resplandecendo a vida dos pais.  A chance de um segundo encontro pode dar início à parceria de uma vida inteira. Às vezes nos acorrentamos a uma cota pequena de felicidade e acabamos por resumir nossa alegria olhando uma antiga fotografia.

Quantas vezes matamos novos doces retratos da vida enquanto alimentamos a nostalgia? O medo gera apego e poda o nosso florescer. Medo de experimentar o novo, medo de reiterar, de novamente sofrer, de se apegar, de doer, de se entregar às surpresas do destino faz com que passemos nossos dias acorrentados à âncora da reles existência que limita os horizontes e tolhe vermos a vida através de novos lindos amanheceres. 

Se não largarmos as moedas de pratas, jamais pegaremos o pote de ouro que ali se avizinha. Sem a dor de perder o primeiro amor não teríamos como viver um "grande amor" pois faltaria maturidade para reconhecê-lo. Se os filhos fossem sempre crianças não existiria colo de vô. As lembranças do primeiro amor, a cumplicidade do primeiro casamento, o primeiro choro do rebento sempre estarão vivas no fio invisível da memória e podem ser revividas todas as vezes que o coração quiser visitar o passado.

Deus nos deu a memória para que possamos fazer essas pausas e contemplar a qualquer momento as paisagens da nossa existência. A vida jamais pode parar, porém o coração permite revisitar nossas antigas moradas. É muito bom ter as crianças no colo, mas é preciso deixar que os dias o ensinem a caminhar. Ao invés de querer parar o tempo, devemos deixar ele nos acarinhar, aconchegados nos braços desse momento sagrado em que nosso pulsar agora está alocado, lugar onde deve estar eternamente ancorado nosso coração e nossa mente que, não à toa, é chamado de presente.


À memória da Poesia, minha gatinha que morreu enquanto escrevia esse texto.


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