quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Jardim Secreto



Este texto, diferente dos demais que escrevo em uma única “sentada”, levou alguns meses para ser feito, talvez porque só hoje eu tenha entendido de fato sobre o que estava falando.




"Em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior, com planícies invioláveis, vales de silêncio e paraísos secretos.”

Saint-Exupéry



Li essa frase em um e-mail que recebi e me remeteu  a uma música do Bruce Springsteen, que se chama Secret Garden (jardim secreto). Ela é linda e sempre levou meus pensamentos para longe... num lugar que só eu conheço.

Acho ela de uma profunda sensibilidade. Não sei quantas vezes me peguei cantarolando esta música, andando pela rua e pensando no meu jardim secreto. Na minha livre interpretação, a letra fala de uma mulher misteriosa, que deixa que entrem em sua vida, mas tem um ponto inacessível, um mundo onde somente ela habita e por mais que você se aproxime, jamais chegará perto, sempre estará a milhas e milhas de distância.

Na verdade acho que todos temos um mundo particular isolado e secreto, onde somente nós habitamos. Onde escondemos nossos desejos mais profundos, nossos pensamentos mais torturantes, repreensivos e inconfessáveis.

Um lugar sagrado e necessário para tirarmos umas férias de vez em quando do mundo lá fora. Porém, é ali também que mora tudo aquilo que não queremos mostrar aos outros, nossos medos, traumas e ambigüidades e conflitos e também nossa reserva emocional.

Esse local deve ser sempre preservado, pois nele está nossa essência, nosso cerne, nossa identidade.

Temos características mutáveis e maleáveis, porém nosso ponto de integridade é perene e nada vai fazer mudarmos isso.

Quando alguém tenta, conscientemente ou não, invadir nosso espaço vital, nos sentimos acuados, violados, apreensivos. Refutando assim qualquer ameaça à nossa própria essência.

É uma pena que algumas pessoas que gostamos não tenham a visão dessa cerca que colocamos para defender nosso lugar mais precioso. Às vezes por descuido, desconhecimento ou desatenção invada um local que não a pertence e jamais irá pertencer, por só caber um dentro desse lugarzinho sagrado. Por mais que alguém queira chegar, sempre estará a milhas de distância.

Mas temos vastas planícies lindas, floridas e perfumadas que não tem uma porteira tão hermética, pode-se dar livre passagem e lá sim, cabe mais um, uma pessoa bem-vinda que pode ser pra sempre a fiel guardiã do nosso jardim secreto.


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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Suprimindo o Grito






As melhores frases são as que o silêncio soletra. E os piores vácuos, são os cheios de vazio.

Dizer tudo sem falar nada é a láurea da linguagem.  É o olhar oblíquo,  o sorriso de Da Vinci, é a pauta em branco e o coração latente.

Palavras que nunca direi, estas são as mais valiosas. Lembro dos meus hiatos como momentos. Algumas vezes medo, outros sabedoria.

Poucas vezes silenciei tão alto. Mas esses gritos sem eco, ainda ressoam na minha alma.

Não gosto de calar, mas cada vez mais me calo.  Minhas falas estão tão calejadas, que agora o silêncio se torna astro-rei, e supre a incompetência das palavras não entendidas, das palavras mal escritas que só de pensar, cansa os dedos e seca a pena.

De tanta incompreensão, as palavras suprimidas escorrem dos olhos, e a lágrima se faz verso, tão belo e transmutado que traz sorriso ao rosto cansado, fazendo rica qualquer rima.

Escrever nada mais é do que passar pela alma as palavras incompreendidas, pôr o meu perfume soletrado e, após, asfaltar com elas o caminho empoeirado por onde ando.

Essas palavras talvez não façam sentido para ninguém além de mim, mas de sentido as almas estão cheias, e de sentimentos os textos andam vazios.

Mas o que eu escrevo... isso tem alma, coração e fé. Tem um amor tão grande, que faz de um simples  fonema a poesia mais bela que Drummond sequer sonhou.

Escrever traduz a alma e silencia o coração, deixando sempre à minha escolha onde pôr o ponto final, incluir as reticências ou, por fim, suprimir o grito.



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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Porquê dos Espinhos




Hoje meu sobrinho e afilhado de 8 meses fez uma cirurgia para corrigir uma má formação no crânio. Tão pequeno já ganhando a sua primeira (e grande) cicatriz.

Há uns 8 anos atrás minha sobrinha também precisou fazer uma delicada cirurgia com um mês de vida, porque nasceu com as válvulas do coração invertidas. Outra que ganhou bem novinha sua primeira cicatriz.

Naquela época o corte foi da altura do peito até quase o meio da barriga. Algo apavorante para uma leiga na área, como eu. Lembro de quando fui visitá-la na UTI,  parecia tão frágil, cheia de tubos e curativos. Segurei seus dedinhos e senti a pressão daquela mãozinha segurando a minha.  Fiquei hipnotizada olhando a barriga dela se mexendo com a respiração. Foi algo indescritível sentir a força da vida em cada inspiração que aquele pedacinho de gente dava. Emocionante ver que um Ser tão pequeno e frágil carrega em si uma prodigiosa fortaleza.

Hoje ela é uma menina linda, cheia de vida e serelepe que enche a nossa vida de alegria e, a outrora imensa cicatriz, hoje é apenas um risquinho quase imperceptível. Mas está lá, como registro da primeira luta que ela travou com a vida. Sei que o mesmo vai acontecer com o bebezinho da família que hoje passa pela mesma provação. Logo, logo essa grande marca vai se dirimir e perder a força no transcorrer da sua vida. No futuro será apenas uma história para contar.

Tenho várias cicatrizes, mas a mais importante é uma abaixo do joelho. Marca de um acidente ocorrido em 1994, em que perdi alguns queridos amigos de infância. Sem dúvida foi um dia que jamais esquecerei. Cada vez que a vejo, agradeço por ter essa cicatriz, pois muitos não tiveram esta sorte.

Mas, muito mais do que cicatrizes na pele, carregamos cicatrizes na alma. Marcas silenciosas, mas que ao mesmo tempo, se tocadas, seu grito ecoa dentro de nós.

Meus irmãos e cunhados, não tenho dúvidas, ficaram com marcas no coração pelo sofrimento dos seus filhos, pelo medo de perder seus bebezinhos ou por não poderem eles próprios, evitar a cirurgia.

Meus pais jamais esqueceram o dia do meu acidente, as horas de desespero por não saber se eu tinha sobrevivido ou não.  Os pais dos meus amiguinhos que se foram tiveram seus corações dilacerados pela morte prematura de suas crianças.

Outros talvez não tenham essas marcas tão profundas, mas tiveram seus corações partidos pela perda de um grande amor, por um erro cometido, uma injustiça sofrida, por sentir a falta de um estimado bichinho de estimação ou por uma oportunidade perdida.

São essas marcas que nos moldam, que nos tornam mais fortes e calejados.  Elas são inerentes à existência humana e, uma existência sem cicatrizes, é uma existência perdida. Só sofre quem se expõe, quem ama, se arrisca, quem enfrenta as cirurgias que a vida faz na nossa alma, sem as quais, talvez, para sempre ficaríamos mancos.

Por fim, acredito que a vida, definitivamente, não foi feita para a linearidade, mas sim para altos e baixos, tropeços, quedas e cortes.  Mas precisamos lembrar que a cada ferida feita na alma ou no corpo, a vida dá um jeito de se regenerar, de se recriar e de trazer um novo sentido e olhar para a nossa extraordinária existência.

Por isso, parafraseio Nietzsche, que em sua inquestionável sapiência sobre a experiência humana afirma que  tudo aquilo que não nos mata, nos torna mais forte. Por isso também aprendemos a nos defender e, como já se sabe, rosa sem espinhos, não é rosa.


* Este texto é para meus pequenos e fortes botões de rosa Larissa e Caio e suas lindas cicatrizes.

Foto: Google

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ensaio sobre Baratas







Certa feita uma amiga disse que em meio a uma discussão com o namorado, soltou a seguinte frase: “eu mesma mato minhas baratas”.

Quando  contou o que houve, essa frase ecoou nos meus pensamentos. É uma boa forma de dizer que ela é independente e autossuficiente, claro que estou fazendo uma interpretação lato sensu.

Por um breve momento, lembrei das várias baratas que já matei nessa vida. Sim, morando sozinha, se eu não matar, quem vai? Pior é saber que um bicho feio e nojento daqueles está habitando meu lar.

Não tenho medo de barata, tenho muito nojo, ojeriza e o único medo é que ela venha para perto de mim.

Já travei duelo com spray de cabelo, desodorizador de ambiente, detergente de louça, até amaciante de roupas. Pego a arma que estiver mais perto. Confesso que nas vezes em que não matei afogada, pelo menos deixei ela bem tontinha.

Não é uma tarefa fácil, até mesmo porque, conforme um documentário, as baratas são os únicos seres que sobreviveriam a uma guerra nuclear. Imagine...

Quem já passou por isso sabe o pânico que dá quando ela está em cima da porta, com as anteninhas se mexendo e olhando pra ti, parecendo pronta pra dar o bote.

Sou uma mulher que mata suas próprias baratas, instala chuveiro, troca resistência, botijão de gás, toca sua vida e lida com os embates do dia a dia sem ter pra onde correr e confesso que há pouco drama nisso. Momentos de solidão, vazio e carência fazem parte da vida de todas as pessoas que vivem sozinhas ou não.

Acho que foi isso que minha amiga quis dizer. Que ela sabe se defender e não precisa de um homem ao seu lado para servir como alegoria.

Vivemos numa época em que as pessoas querem, mais do que convenções sociais, serem felizes.

Este parece um texto feminista, mas não é, serve para os homens também. Pessoas que podem fazer um bom lar, criar laços saudáveis e perenes de afeição são as que sabem matar suas próprias baratas, são as que “pegam” juntas nos embates da vida e não têm medo de viverem sozinhas.

É claro que adoraria ter alguém comigo para ajudar a montar a melhor estratégia para matar o tal bichinho ou segurasse a lanterna para eu trocar a resistência do chuveiro à noite, quando queima no meio do banho (segurar a lanterna e trocar a resistência junto é uma árdua tarefa), mas não é por isso que vou por uma plaquinha no pescoço e escrever: “procura-se”.

Todos nós sempre estamos a procura de alguém para coexistir, ter filhos, para amar e ser amado,  eu não fujo à regra. Mas não quero um genitor para meus filhos, um provedor ou a companhia de uma pessoa que sirva para eu descarregar minhas carências ou satisfazer meus caprichos.

Então, que fique claro, não estou queimando sutiã, apenas ratifico a opinião de que, em tempos de relacionamentos falidos, solidão a dois e comodismo emocional,  opto por continuar matando, eu mesma,  minhas baratinhas.


"Minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência  de pessoas. Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer a verdadeira companhia."

Friedrich Nietzsche







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segunda-feira, 30 de julho de 2012

Brilho nos olhos




Na época da ditadura, o cronista Tarso de Castro publicou uma coluna totalmente em branco na Folha, em protesto contra a prisão do jornalista Lourenço Diaféria, e foi retaliado também por não escrever nada. Ou seja, censuravam até uma página em branco.

Soube disso na aula de história e me marcou a ironia que envolve esse contexto. Hoje me peguei pensando nisso. Nos textos em branco que publico diariamente na minha vida.

Quase todos os dias acontece algo que eu penso “deveria escrever sobre isso”, mas me auto-censuro.
Não quero encher minha vida da vazios, coisa que muita gente faz. E agora falo em terceira pessoa, porque no mundo tem muita gente cheia de páginas em branco, publicadas nos principais cadernos que compõem suas vidas.

Oscar Wilde dizia que viver é a coisa mais rara no mundo, porque a maioria das pessoas apenas existe. Eu me considero borderline, estou na corda bamba entre viver e existir. Quero e tento viver intensamente, mas por vezes existir apenas é tão mais brando, calmo e seguro... Viver exige coragem, força e resiliência.

 E assim fui alternando meu livro entre páginas cheias de cor e outras pálidas, sem viço. Mas a mim, como uma boa leitora, jamais agradaria ler um livro com falhas, com histórias pela metade, sem nuances que instigam meu pensar, meu olhar, meu viver.

Muitos leitores meus deixaram de ler o blog porque não havia mais nada de novo escrito, muitas pessoas deixaram de habitar minha vida porque me auto-censurei pra elas. Pelo meu eterno silêncio. Não que seja ruim, a vida é assim. Ninguém entra ou permanece na nossa vida por acaso.

Estou escrevendo justamente por isso, porque não quero ser um livro pela metade, quero encher meus dias de cores, mesmo que por vezes essas cores sejam preto e branco, quero ter nele páginas perfumadas, páginas com reticências, mas com uma bela história, com personagens reais, humanos e com brilho no olhar. Do jeito que eu gosto de viver e ter por perto.

Uma pessoa me ensinou a abrir meu caderninho e escrever diariamente textos multicoloridos, com direito a desenhos e aromas. Com ela aprendi que nenhum sonho, nenhum sentimento ou desejo deve ser censurado. Essa pessoa me ensinou a viver.

Porque, como está escrito no meu poema preferido, mesmo com toda a tragédia, sofrimentos e sonhos desfeitos, o mundo ainda é belo.