sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Mulher de 30





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A alcunha de balzaquiana sempre me pareceu algo superior, persuasivo, sexy... venho treinando há algum tempo para não me preocupar quando chegasse a hora. Antes me autointitulava de pré-balzaquiana.  Agora que estou prestes a me tornar uma, sei exatamente o que isso significa.

Ser balzaquiana nos dias de hoje significa ter uma dose excessiva de autoestima, senso de humor e oportunidade.

É que acontece o seguinte: quando chegamos aos 30 ficamos no que chamo de “limbo sexo-emocional”. É uma fase em que não nos satisfazemos com qualquer coisa, com um casinho “meia boca”, com um sexo mais ou menos, nem temos tolerância com uma conversa recheada de palavras mononeuronais.

Tenho várias amigas solteiras que passarão o próximo sábado ouvindo uma boa música, bebendo uma boa cerveja e aproveitando ao máximo a companhia de si mesmas. Sem se autoflagelar por não estarem casadas e com filhos.

Claro que a maioria almeja ter uma família, um homem para chamar de seu e poder fazer um bom sexo diariamente, mas infelizmente isso pode não acontecer tão cedo. Não temos o afã de precisar se jogar na “night” a fim de descolar um futuro marido. Mais do que nunca o intuito aqui é se divertir.

Vez ou outra até é bom sair na balada e se deixar levar pelas figuras cômicas que aparecem, como os pavões que recheiam as noites, querendo sobressair aos demais, se tornando a referência da festa como “o chato” da noite.


Mas o fato é que o perfil feminino ao qual me refiro são mulheres que estão bem sozinhas, mas sabem como é bom estar em boa companhia e que festa não é lugar onde se encontra alguém em potencial para se tornar algo mais.

E aí complica, pois as possibilidades se tornam limitadas. Como não vamos à caça, o jeito é ter os olhos atentos. Eu, por exemplo, já iniciei um relacionamento na delegacia, ao tratar dos interesses de uma cliente com o escrivão de polícia. Começamos falando sobre a Lei Maria da Penha e terminamos conversando sobre os sonhos desfeitos no meio desse mundo opressor.

Tenho uma amiga que tem todos os atrativos para fisgar um bom homem, mas ela é médica gastroenterologista e trabalha cerca de 15  horas por dia.

O nicho dela são os pacientes, namorados em potencial... mesmo prezando pela ética profissional, ter um caso com um paciente não é crime! Certa vez ela contou que apareceu no consultório um homem lindo, inteligente, carismático e cheio de outras qualidades, até trocou uns olhares. Acontece que em determinada altura da consulta ela precisou perguntar como eram as fezes dele: dura, pastosa, em pedaços, etc.  Nem preciso dizer que a cantada desandou...

Outra amiga se interessou por um colega de trabalho, começaram a almoçar todos os dias, faziam programas juntos, se divertiam muito, porém nada acontecia... até que ela descobriu que o moço era gay e estava interessado no seu irmão.

As mulheres de trinta estão no pico de suas potencialidades, cheias de qualidades legadas da recém passada juventude, aliadas a uma prodigiosa sabedoria que as distinguem da vala comum. Não são nem tão novas que sejam ingênuas e previsíveis, nem tão velhas que sejam antiquadas e distantes.

Como fala Balzac, “chegando a essa idade, a mulher sabe consolar em mil ocasiões em que a jovem só sabe gemer".

Mas  o fato é que a verdadeira mulher de 30 passa à margem de qualquer classificação que geralmente possui conotação sexual. Ela se preocupa mais consigo mesma, em se conhecer, se amar, se auto sustentar financeira e emocionalmente, a vencer os preconceitos e deixar os melindres de lado. E nessa trajetória ela se esculpe com tal beleza que acaba se tornando extremamente atraente aos olhos seletivos de quem realmente merece tê-la ao seu lado.



Florianópolis, 12 de dezembro de 2010.




* foto: google

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Sobre cotidiano e o tempo








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Quando tocou o despertador implorei por mais alguns minutos. Rolando na cama lembrei do desastre que tinha feito na noite anterior. Estava revoltada com as pontas secas do cabelo e resolvi eu mesma cortar. Óbvio que não deu certo. Levantei da cama e caí no chuveiro. Mal me olhei no espelho. Fiz o ritual diário para sair de casa, amarrei os cabelos e fui ganhar o mundo.

Cheguei no trabalho e dei uma olhada na agenda para ver algum horário livre para ir ao cabeleireiro arrumar o estrago. Notei que nessa semana não conseguiria ir, com muito custo encaixei a manicure às 8 horas da manhã seguinte.  Peguei um café e mergulhei no processo penal (que nunca foi meu forte).  Precisava destrinchar um parecer que estou fazendo há dias. Sabia que o dia seria curto porque no meio da tarde tinha consulta com a oftalmologista e não podia adiar. Meus olhos andam enxergando mal. Depois da consulta iria para a corrida, passar no supermercado e, por fim, passear com meu cachorro.

O trabalho estava fluindo e resolvi enforcar o horário do almoço. Eis que recebo uma ligação. Precisava redigir urgente um importante documento e levá-lo em mãos ao destinatário. Larguei o processo penal e mergulhei na legislação administrativa. Descubro que a rede de internet caiu sem previsão para voltar. Me virei com o que tinha em  mãos e às 14:30 hs o documento estava pronto.  Corri para entregá-lo ao destinatário que, por sorte, encontrei com rapidez. Tarefa cumprida com folga de uma hora até a consulta.

Sem titubear entrei no primeiro salão de beleza que vi no caminho. Falei para a cabeleireira que ela tinha 40 minutos para devolver a dignidade aos meus cabelos. Enquanto a moça lavava minhas madeixas pensei sobre a correria louca do dia-a-dia, pela qual a maioria de nós passamos. Eu gosto desse agito, de sempre ter algo a fazer, desafios a vencer. É o mundo em movimento. Mas às vezes o relógio se torna um algoz, colocando em eclipse o sol  da nossa vida. Nessas horas queria me teletransportar para qualquer lugar com baixa densidade demográfica, temperatura amena  e pouco ruído onde pudesse descansar os olhos em alguma bela paisagem.

De cabelo cortado fui na médica. Saí de lá com mais 0,25 grau de astigmatismo e uma receita para um novo óculos. Fui direto na ótica, que fica na rua mais movimentada da cidade. Fiquei meio perdida porque não encontrei a loja. Até que concluí que ela havia fechado. Decidi ir em outra loja perto da minha casa. Dei dois passos e ouvi uma voz cantando:  “Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para...”   A música certa, na hora certa.

Por um momento pensei em ir atrás da voz que cantava, mas lembrei que tinha mais tarefas a cumprir. Dei dois passos adiante, mas a música já estava dentro de mim... “enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso faço hora, vou valsa. A vida é tão rara...”. Dei meia volta e fui ao encontro do bálsamo da vida. Músicas sempre me salvam. A meia quadra dali encontrei um rapaz cantando entre a  confusão de gente. Parei para respirar a vida por alguns minutos.

Na primeira música  tive vontade de correr como Forrest.  Então começou a cantar a segunda: “ Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais...”. Nessa hora meu coração inundou  e tive vontade de chorar. E veio a terceira: "Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo e com cinco ou seis retas é fácil fazer um castelo...” Daí simplesmente agradeci por existir.

Pensei em filmar a cena para compartilhar com meus amigos. Mas desisti. Deixei o celular na bolsa, fechei os olhos e flutuei. O relógio não existia mais, me permiti por alguns instantes viver a plenitude da existência. Depois de umas quatro ou cinco músicas a noite caiu e o som do helicóptero da polícia sobrevoando despertou a todos. Lembrei que estou nos dias nebulosos de Florianópolis. Pedi para uma menina que filmou as músicas me enviasse os vídeos e, agradecida por aquele momento, fui embora.

Consegui pegar a outra ótica aberta e encomendei as novas lentes. Cheguei em casa  com plano de seguir o previsto na agenda. Ia por rapidamente o tênis para correr, mas encontrei meu cachorro destilando amor. Desisti da corrida e presentei o Smart com um longo passeio pelo bairro. Sempre fui adepta da corrente do bem. Há uma frase clássica de um dos meus filmes preferidos em que o protagonista, após viver voluntariamente a experiência da extrema solidão, diz : “ a felicidade só é verdadeira quando compartilhada." Decidi  compartilhar e multiplicar com meu cachorro a felicidade que sentia.

Na volta, de alma leve, fui ao banheiro tirar a maquiagem. Olhei para o lado e lembrei que tenho uma deliciosa banheira na minha casa, que só usei uma vez esse ano  quando queimou o chuveiro. Deixei  ela encher. Peguei minhas músicas preferidas, me despi e entrei na banheira. Então percebi como é fácil fazer o tempo parar.


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