segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Porquê dos Espinhos




Hoje meu sobrinho e afilhado de 8 meses fez uma cirurgia para corrigir uma má formação no crânio. Tão pequeno já ganhando a sua primeira (e grande) cicatriz.

Há uns 8 anos atrás minha sobrinha também precisou fazer uma delicada cirurgia com um mês de vida, porque nasceu com as válvulas do coração invertidas. Outra que ganhou bem novinha sua primeira cicatriz.

Naquela época o corte foi da altura do peito até quase o meio da barriga. Algo apavorante para uma leiga na área, como eu. Lembro de quando fui visitá-la na UTI,  parecia tão frágil, cheia de tubos e curativos. Segurei seus dedinhos e senti a pressão daquela mãozinha segurando a minha.  Fiquei hipnotizada olhando a barriga dela se mexendo com a respiração. Foi algo indescritível sentir a força da vida em cada inspiração que aquele pedacinho de gente dava. Emocionante ver que um Ser tão pequeno e frágil carrega em si uma prodigiosa fortaleza.

Hoje ela é uma menina linda, cheia de vida e serelepe que enche a nossa vida de alegria e, a outrora imensa cicatriz, hoje é apenas um risquinho quase imperceptível. Mas está lá, como registro da primeira luta que ela travou com a vida. Sei que o mesmo vai acontecer com o bebezinho da família que hoje passa pela mesma provação. Logo, logo essa grande marca vai se dirimir e perder a força no transcorrer da sua vida. No futuro será apenas uma história para contar.

Tenho várias cicatrizes, mas a mais importante é uma abaixo do joelho. Marca de um acidente ocorrido em 1994, em que perdi alguns queridos amigos de infância. Sem dúvida foi um dia que jamais esquecerei. Cada vez que a vejo, agradeço por ter essa cicatriz, pois muitos não tiveram esta sorte.

Mas, muito mais do que cicatrizes na pele, carregamos cicatrizes na alma. Marcas silenciosas, mas que ao mesmo tempo, se tocadas, seu grito ecoa dentro de nós.

Meus irmãos e cunhados, não tenho dúvidas, ficaram com marcas no coração pelo sofrimento dos seus filhos, pelo medo de perder seus bebezinhos ou por não poderem eles próprios, evitar a cirurgia.

Meus pais jamais esqueceram o dia do meu acidente, as horas de desespero por não saber se eu tinha sobrevivido ou não.  Os pais dos meus amiguinhos que se foram tiveram seus corações dilacerados pela morte prematura de suas crianças.

Outros talvez não tenham essas marcas tão profundas, mas tiveram seus corações partidos pela perda de um grande amor, por um erro cometido, uma injustiça sofrida, por sentir a falta de um estimado bichinho de estimação ou por uma oportunidade perdida.

São essas marcas que nos moldam, que nos tornam mais fortes e calejados.  Elas são inerentes à existência humana e, uma existência sem cicatrizes, é uma existência perdida. Só sofre quem se expõe, quem ama, se arrisca, quem enfrenta as cirurgias que a vida faz na nossa alma, sem as quais, talvez, para sempre ficaríamos mancos.

Por fim, acredito que a vida, definitivamente, não foi feita para a linearidade, mas sim para altos e baixos, tropeços, quedas e cortes.  Mas precisamos lembrar que a cada ferida feita na alma ou no corpo, a vida dá um jeito de se regenerar, de se recriar e de trazer um novo sentido e olhar para a nossa extraordinária existência.

Por isso, parafraseio Nietzsche, que em sua inquestionável sapiência sobre a experiência humana afirma que  tudo aquilo que não nos mata, nos torna mais forte. Por isso também aprendemos a nos defender e, como já se sabe, rosa sem espinhos, não é rosa.


* Este texto é para meus pequenos e fortes botões de rosa Larissa e Caio e suas lindas cicatrizes.

Foto: Google

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ensaio sobre Baratas







Certa feita uma amiga disse que em meio a uma discussão com o namorado, soltou a seguinte frase: “eu mesma mato minhas baratas”.

Quando  contou o que houve, essa frase ecoou nos meus pensamentos. É uma boa forma de dizer que ela é independente e autossuficiente, claro que estou fazendo uma interpretação lato sensu.

Por um breve momento, lembrei das várias baratas que já matei nessa vida. Sim, morando sozinha, se eu não matar, quem vai? Pior é saber que um bicho feio e nojento daqueles está habitando meu lar.

Não tenho medo de barata, tenho muito nojo, ojeriza e o único medo é que ela venha para perto de mim.

Já travei duelo com spray de cabelo, desodorizador de ambiente, detergente de louça, até amaciante de roupas. Pego a arma que estiver mais perto. Confesso que nas vezes em que não matei afogada, pelo menos deixei ela bem tontinha.

Não é uma tarefa fácil, até mesmo porque, conforme um documentário, as baratas são os únicos seres que sobreviveriam a uma guerra nuclear. Imagine...

Quem já passou por isso sabe o pânico que dá quando ela está em cima da porta, com as anteninhas se mexendo e olhando pra ti, parecendo pronta pra dar o bote.

Sou uma mulher que mata suas próprias baratas, instala chuveiro, troca resistência, botijão de gás, toca sua vida e lida com os embates do dia a dia sem ter pra onde correr e confesso que há pouco drama nisso. Momentos de solidão, vazio e carência fazem parte da vida de todas as pessoas que vivem sozinhas ou não.

Acho que foi isso que minha amiga quis dizer. Que ela sabe se defender e não precisa de um homem ao seu lado para servir como alegoria.

Vivemos numa época em que as pessoas querem, mais do que convenções sociais, serem felizes.

Este parece um texto feminista, mas não é, serve para os homens também. Pessoas que podem fazer um bom lar, criar laços saudáveis e perenes de afeição são as que sabem matar suas próprias baratas, são as que “pegam” juntas nos embates da vida e não têm medo de viverem sozinhas.

É claro que adoraria ter alguém comigo para ajudar a montar a melhor estratégia para matar o tal bichinho ou segurasse a lanterna para eu trocar a resistência do chuveiro à noite, quando queima no meio do banho (segurar a lanterna e trocar a resistência junto é uma árdua tarefa), mas não é por isso que vou por uma plaquinha no pescoço e escrever: “procura-se”.

Todos nós sempre estamos a procura de alguém para coexistir, ter filhos, para amar e ser amado,  eu não fujo à regra. Mas não quero um genitor para meus filhos, um provedor ou a companhia de uma pessoa que sirva para eu descarregar minhas carências ou satisfazer meus caprichos.

Então, que fique claro, não estou queimando sutiã, apenas ratifico a opinião de que, em tempos de relacionamentos falidos, solidão a dois e comodismo emocional,  opto por continuar matando, eu mesma,  minhas baratinhas.


"Minha solidão não tem nada a ver com a presença ou ausência  de pessoas. Detesto quem me rouba a solidão, sem em troca me oferecer a verdadeira companhia."

Friedrich Nietzsche







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