* *
Quando tocou o despertador
implorei por mais alguns minutos. Rolando na cama lembrei do desastre que tinha
feito na noite anterior. Estava revoltada com as pontas secas do cabelo e
resolvi eu mesma cortar. Óbvio que não deu certo. Levantei da cama e caí no chuveiro. Mal me olhei no espelho. Fiz o ritual diário para sair de casa, amarrei os cabelos e fui
ganhar o mundo.
Cheguei no trabalho e dei uma
olhada na agenda para ver algum horário livre para ir ao cabeleireiro arrumar o
estrago. Notei que nessa semana não conseguiria ir, com muito custo encaixei a
manicure às 8 horas da manhã seguinte.
Peguei um café e mergulhei no processo penal (que nunca foi meu forte). Precisava destrinchar um parecer que estou
fazendo há dias. Sabia que o dia seria curto porque no meio da tarde tinha
consulta com a oftalmologista e não podia adiar. Meus olhos andam enxergando
mal. Depois da consulta iria para a corrida, passar no supermercado e, por fim, passear
com meu cachorro.
O trabalho estava fluindo e
resolvi enforcar o horário do almoço. Eis que recebo uma ligação. Precisava
redigir urgente um importante documento e levá-lo em mãos ao destinatário.
Larguei o processo penal e mergulhei na legislação administrativa. Descubro que a
rede de internet caiu sem previsão para voltar. Me virei com o que tinha em mãos e às 14:30 hs o documento estava
pronto. Corri para entregá-lo ao
destinatário que, por sorte, encontrei com rapidez. Tarefa cumprida com folga de
uma hora até a consulta.
Sem titubear entrei no primeiro
salão de beleza que vi no caminho. Falei para a cabeleireira que ela tinha 40
minutos para devolver a dignidade aos meus cabelos. Enquanto a moça lavava minhas
madeixas pensei sobre a correria louca do dia-a-dia, pela qual a maioria de nós passamos. Eu gosto desse agito, de sempre ter algo a fazer, desafios a vencer. É o mundo em movimento. Mas às vezes o relógio se torna um algoz, colocando em eclipse o sol da nossa vida. Nessas horas queria me teletransportar para qualquer lugar com baixa densidade demográfica, temperatura amena e pouco ruído onde pudesse descansar os olhos em alguma bela paisagem.
De cabelo cortado fui na médica.
Saí de lá com mais 0,25 grau de astigmatismo e uma receita para um novo óculos.
Fui direto na ótica, que fica na rua mais movimentada da cidade. Fiquei meio
perdida porque não encontrei a loja. Até que concluí que ela havia fechado. Decidi ir em outra loja perto da minha casa. Dei dois passos e ouvi uma voz cantando: “Mesmo quando tudo pede um pouco mais de
calma, até quando o corpo pede um pouco mais de alma, a vida não para...” A
música certa, na hora certa.
Por um momento pensei em ir atrás
da voz que cantava, mas lembrei que tinha mais tarefas a cumprir. Dei dois
passos adiante, mas a música já estava dentro de mim... “enquanto o tempo
acelera e pede pressa, eu me recuso faço hora, vou valsa. A vida é tão rara...”.
Dei meia volta e fui ao encontro do bálsamo da vida. Músicas sempre me salvam.
A meia quadra dali encontrei um rapaz cantando entre a confusão de gente. Parei para respirar a vida
por alguns minutos.
Na primeira música tive vontade de correr como Forrest.
Então começou a cantar a segunda: “ Ando devagar porque já tive pressa e
levo esse sorriso porque já chorei demais...”. Nessa hora meu coração inundou e tive vontade de chorar. E veio a terceira: "Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo e com cinco ou seis retas é fácil
fazer um castelo...” Daí simplesmente agradeci por existir.
Pensei em filmar a cena para
compartilhar com meus amigos. Mas desisti. Deixei o celular na bolsa, fechei os
olhos e flutuei. O relógio não existia mais, me permiti por alguns instantes
viver a plenitude da existência. Depois de umas quatro ou cinco músicas a noite
caiu e o som do helicóptero da polícia sobrevoando despertou a todos. Lembrei que
estou nos dias nebulosos de Florianópolis. Pedi para uma menina que filmou as
músicas me enviasse os vídeos e, agradecida por aquele momento, fui embora.
Consegui pegar a outra ótica aberta e encomendei as novas lentes. Cheguei em casa com plano de seguir o previsto na agenda. Ia por
rapidamente o tênis para correr, mas encontrei meu cachorro destilando amor. Desisti
da corrida e presentei o Smart com um longo passeio pelo bairro. Sempre fui
adepta da corrente do bem. Há uma frase
clássica de um dos meus filmes preferidos em que o protagonista, após viver
voluntariamente a experiência da extrema solidão, diz : “ a felicidade só é
verdadeira quando compartilhada." Decidi compartilhar e multiplicar com meu cachorro a
felicidade que sentia.
Na volta, de alma leve, fui ao
banheiro tirar a maquiagem. Olhei para o lado e lembrei que tenho uma deliciosa
banheira na minha casa, que só usei uma vez esse ano quando queimou o
chuveiro. Deixei ela encher. Peguei
minhas músicas preferidas, me despi e entrei na banheira. Então percebi como é fácil fazer o tempo parar.
* *
Video
Um comentário:
Muito bom, vc é um espetáculo. Ler o que vc escreve me faz imaginar a cena é quase palpável...simplesmente uma leitura envolvente... parabéns!!! tua dinda!!!
Postar um comentário