segunda-feira, 30 de julho de 2012

Brilho nos olhos




Na época da ditadura, o cronista Tarso de Castro publicou uma coluna totalmente em branco na Folha, em protesto contra a prisão do jornalista Lourenço Diaféria, e foi retaliado também por não escrever nada. Ou seja, censuravam até uma página em branco.

Soube disso na aula de história e me marcou a ironia que envolve esse contexto. Hoje me peguei pensando nisso. Nos textos em branco que publico diariamente na minha vida.

Quase todos os dias acontece algo que eu penso “deveria escrever sobre isso”, mas me auto-censuro.
Não quero encher minha vida da vazios, coisa que muita gente faz. E agora falo em terceira pessoa, porque no mundo tem muita gente cheia de páginas em branco, publicadas nos principais cadernos que compõem suas vidas.

Oscar Wilde dizia que viver é a coisa mais rara no mundo, porque a maioria das pessoas apenas existe. Eu me considero borderline, estou na corda bamba entre viver e existir. Quero e tento viver intensamente, mas por vezes existir apenas é tão mais brando, calmo e seguro... Viver exige coragem, força e resiliência.

 E assim fui alternando meu livro entre páginas cheias de cor e outras pálidas, sem viço. Mas a mim, como uma boa leitora, jamais agradaria ler um livro com falhas, com histórias pela metade, sem nuances que instigam meu pensar, meu olhar, meu viver.

Muitos leitores meus deixaram de ler o blog porque não havia mais nada de novo escrito, muitas pessoas deixaram de habitar minha vida porque me auto-censurei pra elas. Pelo meu eterno silêncio. Não que seja ruim, a vida é assim. Ninguém entra ou permanece na nossa vida por acaso.

Estou escrevendo justamente por isso, porque não quero ser um livro pela metade, quero encher meus dias de cores, mesmo que por vezes essas cores sejam preto e branco, quero ter nele páginas perfumadas, páginas com reticências, mas com uma bela história, com personagens reais, humanos e com brilho no olhar. Do jeito que eu gosto de viver e ter por perto.

Uma pessoa me ensinou a abrir meu caderninho e escrever diariamente textos multicoloridos, com direito a desenhos e aromas. Com ela aprendi que nenhum sonho, nenhum sentimento ou desejo deve ser censurado. Essa pessoa me ensinou a viver.

Porque, como está escrito no meu poema preferido, mesmo com toda a tragédia, sofrimentos e sonhos desfeitos, o mundo ainda é belo.


6 comentários:

Anônimo disse...

É isto aí Bininha.. a página do livro da vida virou... Lembra quando éramos crianças? Lembra da delícia de estrear aquele caderno novinho, o mais lindo da livraria Lular, capa dura, cheio de figurinhas, mil canetinhas, caneta de 10 cores, perfumadas... enfim... esta é a nossa vida... está nas nossas mãos fazê-la um rascunho ou caprichar e deixá-la tão linda e cheia de vida, de cor, de luz que todos irão querer compartilhá-la conosco... Você emana luz, querida... Fico feliz por fazeres parte da minha vida e sem dúvida, és responsável por grande parte do meu brilho nos olhos. Tua irmã de alma, Jana.

Anônimo disse...

Adorei Bine. Também procuro preencher e colorir as minhas da melhor forma possível, mas páginas em branco são essenciais para reflexão, planejamento e renovação.Para as mudanças da vida... os ciclos nunca param, não é mesmo? Amiga, de fato escrever é uma das tuas melhores qualidades, deixa essa chama acesa... Bjo Pá

Fabrine disse...

Bah, Jana... adorei o relato da infância. Eu já pratiquei muita caligrafia e estou com um arsenal de canetas multicores para embelezar as páginas da minha vida! E tu, amiga, faz meus dias mais felizes. Obrigada pela amizade, pelo amor e dedicação. Eu sou o reflexo do brilho dos olhos e a luz de quem em cerca. Amo-te irmã de alma.

Palominha, amore mio. Sobre esse viés tens razão. Como disse uma amiga ontem, há diferença entre vácuo e silêncio. Páginas em branco também podem ser os silêncios necessários para ouvir a voz de dentro. Pode ser... Nem todo silêncio é vazio, drama ou protesto. O mesmo poema que citei no texto diz : “Siga placidamente por entre o ruído e a pressa e lembre-se da paz que pode haver no silêncio.” Beijo no core!

Anônimo disse...

Fabrine, teus textos sempre me surpreendem. É dona de uma sensibilidade única. Encanta teus leitores com as palavras... impressionante.
Ainda quero ter o prazer e deleite de ter em mãos um livro teu. Quem diria que ao meu lado naquele avião estava uma tão bela e talentosa escritora.
Acho difícil sua vida com páginas pálidas, uma pessoa tão interessante não passa a vida em brancas nuvens.
Saudade.

Beijo, Marco S.

ToN disse...

Saudade tua Dra!

Belo texto!

Beijão

Anônimo disse...

Fiquei arrepiado ao conhecer o blog. Intenso, como a sua dona. A habilidade de transformar pensamentos em palavras deve ser um dom divino. Espero que nos brinde com mais textos, com mais convivência, com mais verdades, com mais sorrisos, com mais vida. Por fim, decifra-me ou te devoro. O prazer foi todo meu. Beijos.