segunda-feira, 19 de maio de 2008

Presságios


Quando tinha 17 anos fui a uma cartomante. Uma amiga estava em crise com seu namorado, achava que ele não a amava mais. Ao invés de perguntar diretamente para ele, resolveu buscar outra forma de ajuda. Claro que o medo do que ia ouvir fez com que me levasse junto. Amigas são pra essas coisas...

Mas não foi só eu, fomos em três amigas. Adolescente tem espírito de matilha....
A terceira era uma cética em relação a prognósticos advinhatórios, mas resolveu fazer uma “consulta”, só por curiosidade. Eu não iria ver meu futuro, sempre preferi a surpresa.

Então fomos nós três. Após as duas terem sido atendidas, estavam felizes com as previsões. Uma aliviada porque o namorado ainda a amava, estava apenas passando por um período difícil. Era só acender uma vela amarela e orar pra um orixá que tudo voltaria ao normal. A outra estava animada com o ótimo futuro profissional que teria e com a aliança brilhante que encontraria em breve (aliança brilhante nos pôs em dúvida: seria casamento ou sorte de achar um anel valioso perdido na rua?) Bem, a cartomante saiu da sala de consulta e me disse para entrar. Eu falei que não iria consultar, estava apenas acompanhando as amigas. Ela falou “Pode vir, sem medo. Não vou cobrar nada de ti, apenas tenho algumas coisas pra te falar.”

Eu já estava curiosa! Pensei naqueles mapas astrais que fazem pela internet gratuitamente e respondem falando várias coisas que tu só vais receber se adquirir a versão completa, por R$ 9,90. Claro, ela me via como uma cliente em potencial.

Mas a curiosidade falou mais alto. Entrei na sala.
Mandou tirar os sapatos, sentar junto à mesa e, após embaralhar as cartas , eu deveria cortá-las em três grupos. Ela foi colocando uma por uma na mesa. Apareceu uma caveira, foice, uma forca, um caixão. Pensei: só desgraça na minha vida!! Maldita hora que inventei de aceitar isso!

Ela viu meus olhos aflitos e me tranqüilizou dizendo que nem sempre essas cartas são presságios ruins, depende do contexto... Ahhh. Que bom! Se até agora veio cartas ruins, só restam as boas... e veio o sol, o coração, o “mancebo garboso”, uma casinha com jardim florido. Opa! Já sei: homem - coração- aliança - casa: VOU CASAR!!!

Bem, foi mais ou menos isso... Ela disse que eu tinha uma luz muito forte, que apareceria um lindo homem, que teria um filho, recém saído de um casamento, mas que eu era a mulher da vida dele, íamos nos dar muito bem. Ele gostava de jogar futebol e tinha um carro vermelho. Ah, fiquei feliz: futebol, filho, carro vermelho = jogador de futebol e o carro, Ferrari, claro. O filho não seria problema, adoro crianças...
Pronto, era só esperar meu príncipe de ébano. E eu me casaria logo, seria a primeira a me casar, entre as três.

Temos que levar em conta a ressalva de que naquele tempo, nosso sonho era ter um namorado, aproveitar um pouco e casar logo! Naquele tempo...
Até eu saí feliz dali. Cada dia pensava: será hoje que conhecerei meu amor?

Quando ficava com alguém dava logo um jeito de perguntar se tinha filhos... se não tivesse já me desinteressava, afinal, seria perda de tempo. Eu esperava meu príncipe vindo em um carro vermelho com adesivo de bebê a bordo atrás.
Se alguém vinha me dizer de algum pretendente, já queria saber se tinha sido casado, jogava futebol... e o carro, claro!

Fazia passeios pelo parque da Redenção nos sábados pela manhã, filtrando o olhar para os homens sozinhos que carregavam carrinhos de bebê ou um ranhentozinho a tira colo. No supermercado sempre tinha um, mas não rolava a química enquanto escolhíamos maçãs...

O tempo foi passando... e eu desisti de achar meu kit.
Apareceram alguns, mas sempre faltava alguma coisa: ou o carro, ou o futebol, ou o filho.

Me lembrei que o namoro da minha amiga durou mais um mês, até ela descobrir que o namorado tinha outra. E a outra amiga, tudo bem, está bem empregada, mas continua solteira até hoje, sem aliança no dedo e sem ter achado qualquer mísero anel de bijuteria no chão.

Percebi que estava sugestionada às coisas que aquela falastrona disse... e me senti mais feliz em voltar a acreditar nas surpresas.

2 comentários:

disse...

Genial amiga!
Que memória hein! Eu já não lembraria nem da metade! rsrsrs
Mas depois conversamos melhor sobre isso (só eu e tu), para darmos mais umas risadas!!!
"Espírito de matilha" foi muito bom, e "ferrari com adesivo bebê a bordo", melhor ainda... bota criatividade nisso!
Beijão!
Love you!

Fábio Raimundi disse...

Cartomantes e sensitivos. Por que necessitamos deles quando basta prestarmos mais atenção em nós mesmos para buscar as respostas certas? Mas a verdade, às vezes é tão óbvia e dolorida que preferimos desviar o olhar e o pensamento para fantasiarmos um desfecho que nos parece melhor. O problema é que a vida não liga para o que pensamos ou sentimos. O mundo não depende de nós, nós é que dependemos dele! A verdadeira sensibilidade está no exercício de ver dentro dos olhos alheios o sentimento que oculta di mundo exterior. Está no vivenciar o mundo em seu contexto, não ao redor do nosso umbigo.
A pessoa que desejamos fantasiosamente pode ter mau hálito ou até mesmo ser frívola! Enquanto o feio que desprezamos pode esconder uma beleza e um encanto eternos!

É minha opinião. Mas você realmente escreve de forma a nos conquistar! PArabéns pelo blog!

Fábio Raimundi
www.fragmentosdoself.blogspot.com