segunda-feira, 26 de maio de 2008

Amor e vício





Tenho um problema sério com livros. Um vício que foi herdado - e é alimentado até hoje -por meus pais. Confesso que é amor de infância, um caso complicado.
Minha relação com os livros se iniciou, como muitas meninas, com Poliana. O “jogo do contente” me persegue até hoje...

Quando passo em frente a uma livraria, minhas amigas dizem para eu olhar pro outro lado, fechar os olhos, porque se eu entro numa, sou capaz de ficar horas. Tenho vontade de comer os livros, uma coisa meio Tarsila do Amaral...

Minha preferida é a Saraiva de um shopping de Porto Alegre. Pego um cafezinho, sento em um sofá e me delicio com a “amostra grátis” que eu escolho.

É perigoso eu ir com minha mãe a uma livraria, duas compulsivas. Recentemente uma ingênua compra de dicionário se transformou em um rombo no cartão de crédito. Minha mãe alimenta e instiga o vício de toda a família, e eu sou cúmplice.

Já meu pai sempre me levava aos sebos. Eram deliciosos passeios nos famosos “antiquários” da Rua Riachuelo, em Porto Alegre, onde me ensinou a garimpar preciosidades e a apreciar livros de páginas amareladas, com dedicatórias a pessoas que já devem estar tão esquecidas quanto seus livros, em algum asilo para idosos, também esperando alguém para lhe fazer companhia.

Não me interesso pela última coleção da Folic ou que o estilo anos 50 voltou à moda. Prefiro consumir letras. Meu atual desejo é o “Tête-a-tête”, uma biografia sobre a relação amorosa entre Sartre e Simone de Beauvoir.

Mas confesso que não sou exigente, porém, só vou até fim pelos quais me apaixono. E o final de um livro pode ser tão doloroso quanto o de um amor.

Entro em crise quando as últimas páginas de um bom livro se aproximam.
Eu tento me enganar, demoro a aceitar o fim e resolver logo a questão lendo tudo rapidamente. Masoquistamente saboreio cada página, detendo mais tempo para as últimas. É amor passional.

E quando acaba, tem todo um ritual de despedida. Primeiro dou o último descanso sobre meu peito, depois deixo alguns dias ele ainda na cabeceira da cama. Por fim, dou a última folheada e guardo com carinho na estante.

Alguns me levaram às lágrimas, como “O Diário de Anne Frank”, “Solo de Clarineta”, “A última Grande Lição” e recentemente “O Equador”, belo romance sobre a colonização portuguesa nas ilhas de São Tomé e Príncipe.

Outros, pra ser sincera, dou graças a Deus que chegou ao fim, pois estava insuportável o convívio. Aconteceu com o romance “Os Pássaros Feridos”. Foi meu primeiro longo relacionamento. Era um livro da minha mãe, sobre o romance entre um padre e uma moça. Uma saga de 500 páginas. Eu tinha 12 anos e ler tudo aquilo, com letra miudinha e nenhuma gravura, era um desafio que parecia impossível. Lia na cama da minha mãe, enquanto ela também fazia alguma leitura. Assim, quando surgia alguma dúvida sobre o significado de alguma palavra, ela me auxiliava. Durou vários meses, mas terminei. Nesse fim chorei de alegria, não aguentava mais aquele enredo. Teve também o “Inteligência Emocional" que li muito nova e pouco entendi sobre os termos técnicos, mas compreendi perfeitamente o recado do livro. Esse me ganhou pela insistência.
Depois veio minha fase “romance romântica”, contestadora, mal do século e existencialista.

Confesso que sou um pouco egoísta com meus livros. Empresto tudo o que tenho, mas com meus livros sou receosa. Tenho medo que nunca mais voltem, como já aconteceu. Mas, diferente das minhas paixões humanas, os livros é algo que eu tenho prazer em dividir. Acho que cada pessoa que lê é dona de uma história, cada uma põe suas nuances próprias. Tenho certeza de que a Capitu tem milhares de olhares de ressaca, e Dorian Gray tem, para muitos, feições bem menos delicadas do que o meu.

Esse é o encantamento dos livros. Me transporta para um mundo em que eu não tenho nenhuma ingerência, mas me sinto incluída e essencial. É minha cachaça, meu delírio. O jeito mas sadio de
fazer  cabeça, anestesiar dores e divertir  a alma,




Um comentário:

Zé XY disse...

Se Vício não tivesse a conotação de saciar os desejos ocultos, as aspirações pessoais o prazer.
Ninguém seria indevidamente “ROTULADO” de viciado.
Também sou viciado em literaturas dos mais variados nuances, adquiro discernimento para a vida.
Sou viciado pela vida, tenho em enorme prazer em viver.
Sou viciado no Amor e em todas as suas variações.
EU SOU UM VICIADO, por tudo que me da prazer e que não firam meus princípios e caráter.