sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Pimenta da vida

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Ontem foi aniversário de uma amiga. Menina de alma doce, compositora talentosíssima e com uma capacidade de empatia ímpar. Ela leu algumas mensagens de felicitações. Dentre elas, uma me chamou a atenção. Desejava felicidades, amor, saúde e também que mantivesse a tristeza latente em sua alma, para que ela pudesse continuar escrevendo lindas canções,  porque a beleza das letras está na dor pungente. 

Olhei para a aniversariante com ares de resignação, porque é a mais pura verdade.  Eu escrevo quando dói.  Me senti humana nessa hora (sim, têm dias que me ponho acima dos deuses do Olimpo). Também desejei (em silêncio) a dor a ela, e a mim. 

Lembrei que não escrevo há tempos. Não que esteja sem dores, só acho que me anestesiei.  Dor que não se sente, não se tem.  Voltei pra casa derrotada, como um vencedor mundial de MMA que usou drogas e burlou o antidoping. Dores íntimas e silenciosas, quando descobertas, ardem mais.

Passei o dia a cutucar as feridas da minha alma. Raspei saudades, tirei a casca das escolhas mal feitas, passei álcool nos cortes que me mutilei por derrotas não digeridas. Despi as indulgências e fiquei nua com a pele lanhada. Enchi a banheira de sal e mergulhei. Senti cada ardência dos machucados que aceitei de presente da vida. E agradeci por sentir a dor de estar viva.

Esse texto de tom pesado, aos olhos de um poeta, soa brisa. E para um bom intérprete de alma, sabe que é aí que mora a felicidade. Em aceitar a incompletude da vida, os desencontros, as esperas, os becos sem saída que nos ensinam a pular o muro.

Tem uma música que diz “eu não consigo ser alegre o tempo inteiro”. Pois é, eu também não consigo, e nem quero. Quero a distância e a chegada.  Mais que sorrisos francos, quero o choro sincero. Enquanto as pessoas têm medo de chorar, eu tenho gana por viver. Mal sabem elas que as lágrimas lavam a alma para a alegria fazer morada.

As pessoas fogem desenfreadamente da dor. Bebem, cheiram, têm relacionamentos fugazes, se escondem e vivem como múmias sem sentir o real gosto de estar vivo. 

A felicidade vem para aqueles que ousam sentir a derrota, que colocam os joelhos no chão não apenas por devoção, mas por serem alunos da escola dos tombos e tropeços. Aliás, quero ser laureada nesse liceu, porque cada tombo ensina a se levantar e cair com mais suavidade, até chegar o dia em que perdemos o medo de beijar o chão.  

A felicidade é um milagre para poucos que ousam ir além da reles superficialidade dos lugares comuns, dos sentimentos comuns, do relacionamento meia boca, do sorriso que não mostra os dentes, do rolo compressor da  rotina esmagadora de sonhos.

Eu quero mais, eu bebo a vida aos goles. Prefiro ter a língua queimada do que comer a vida pelas beiradas. Eu quero mesmo é me doer (e me doar) inteira, afinal a dor é a pimenta da vida.



Para Indy, que sempre leva minha dor para dançar.

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