Quem vê a minha feição meiga e meu discurso reflexivo, que por vezes cai no sentimentalismo excessivo, não imagina quanta maldade sou capaz de fazer.
Meus amigos sabem... Mas toda a maldade que eu faço é para mim mesma. Dores que alimento, pessoas que teimo em manter na minha vida enquanto deveriam estar bem longe, outras que me ignoram, mas finjo que ainda estou ali, algumas poucas que sepultei e nunca mais deixarei voltar, sem dar direito a uma segunda chance. Maus hábitos que alimento para se tornarem meus pequenos desafios, que servem para me desviar dos maiores problemas, sins que me obrigo a dizer e me puno por não ter dito o sincero não.
Como diz Martha Medeiros, todo paraíso precisa de um pouco de inferno. Pois é, tenho meu inferninho. Fica perto da saída de emergência, por onde fujo quando entro em desespero. Porta, aliás, que anda cada vez menos movimentada, graças a Deus, literalmente.
Estou voltando a acreditar nas minhas antigas crenças depois de um flerte imaturo e escondido com o ateísmo. Resultado de doses de Sartre, Nietzsche, Kafka e Wilde. Passei de um para o outro sem oxigenar a alma. Mas errei na medida do veneno e achei a cura. Eles eram demasiados “santos” em suas crenças e na vontade de abrir as mentes humanas - como de fato fizeram - que senti o dedo de Deus em suas linhas. Contraditório? Deus é contraditório.
São escritores muito complexos e reconheço meu atrevimento ao fazer essa análise. Mas todos eles me instigaram a isso, ao pensamento livre.
Conheço pessoas que os endeusam, outras dizem que são crias do diabo... fico no meio- termo, tirei o sumo. Vi neles tanta verdade, sentimentos vicerais, dores e traumas que mutilaram suas almas que me soam puros (nunca ingênuos).
Sartre, por exemplo, era muito feio, gerava até ojeriza em algumas pessoas, mas passou sua vida toda cercada de muitas e até belas mulheres, chegou a ter nove ao mesmo tempo e por muitos anos. Geralmente seu contato sexual com elas durava um tempo, depois, muitas vezes, se tornava uma relação casta, mas nunca se abandonavam. Tinha seu pequeno harém, sustentava emocional e financeiramente suas mulheres (menos Simone de Beauvoir) e precisava do amor delas para viver. Amava cada uma de um modo diferente. Chegou a adotar a mais jovem para poder deixar o legado de suas obras, já que não teve filhos.
Para muitos essa é uma vida errante e digna de censura. Mas isso é fazer um reducionismo simplista. Por mais que tenha havido promiscuidade, em nenhum momento Sartre leviano ou superficial em seus relacionamentos. Sempre foi sincero quanto a sua vida poligâmica. Teve uma relação com todas elas que transcendia, em muito, o físico. Tinham uma ligação muito mais intelectual e espiritual do que sensual. Suas brigas e términos se davam por idéias, mudanças de valores, não por sentimentos de posse ou fim do amor. Eles possuíam o essencial para um relacionamento: o respeito. Não faço apologia, nem sou partidária da poligamia, longe disso. Me descobri demasiada Cristã para isso, além do que, no que tange relacionamentos, gosto de cercas altas. Mas minhas opiniões não me impediram de ver a grandeza de Sartre. Quem consegue ver pureza nisso, mesmo que não compactue, tem alma livre. Sartre foi feliz em suas palavras ao dizer que o inferno são os outros.
De fato, cada um de nós sabe onde está o seu inferno e do resto, fazemos o que quiser.
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Foto do meu amigo Davi Santos