segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Desconstruindo Papai Noel


Diz-se que só se ama uma vez na vida. Talvez porque isso seja um mito, tipo Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa. A gente crê com muita fé, experimenta o contato, a vivência, depois se descobre que ele não existe. Por isso só acontece uma vez, por isso só se crê no Papai Noel uma vez. A decepção pode ser grande, mas superamos, pois sabemos que houve uma boa intenção por trás.

Os adultos se travestem de Papai Noel para alimentar o sonho que eles também tinham e gostariam manter. Não há maldade no início, nem no fim. Mas uma hora a maturidade chega e precisamos saber a verdade. Às vezes nos contam, outras descobrimos por si só... Assim como o fim de um grande amor que, como as “grandes” histórias narradas, são únicas e eternas.

Nós criamos nossos mitos, os vestimos e deixamos ali, em lugar sublime na nossa alma para serem venerados. Criam mofo, rendem boas histórias, da mesma forma que a velha fantasia do Papai Noel guardada em um saco em uma prateleira na parte de cima do roupeiro. Vez ou outra, para desmistificar algum “trauma” de infância ou relembrar melancolicamente, a gente pega, dá uma olhadinha, mas nunca com ânimus de vê-la em uso novamente (isso destruiria o mito).

É reconfortante não precisar mais se expor ao ridículo de por a meia na janela esperando o presentinho, nem largar da mão da mamãe para pegar uma balinha oferecida pelo Bom Velhinho que sacode o sino em frente à loja. É consolador ter o sentimento fácil e superficial que não nos faz falta quando perdemos, que não nos ridiculariza, nem expõe. É melhor não amar de novo, viver com a cota de amor verdadeiro que tivemos uma vez na vida. É bom ter nosso mito de estimação.

Será? Eu ando pensando que não... na verdade sempre fui meio às avessas. Quando meus irmãos mais velhos ainda usavam fraldas, me rebelei e simplesmente as aboli, um dia tirei minhas fraldas e disse pra minha mãe: “não quelo mais usar flauda". Porém, quando tinha 9 anos ainda chupava bico e,  na hora de por vestido de prenda, eu batia o pé para usar as bombachas do meu irmão... e eu sempre tive muito medo do Papai Noel.

Na verdade nunca entendi a idolatria das crianças por ele. Achava todas vendidas. Nunca sentei no colo de um, mesmo que prometesse me dar a Barbie, o Ken e todo os acessórios da vida rosa pequena burguesa dela. Natal sempre foi um misto de alegria e dor. Pra mim não existia sextas–feiras 13, mas sim 24 de dezembros. Essas noites eram perturbadoras... assim como o amor. Assim como os “grandes amores”. Diferente  da maioria das crianças, fiquei extremamente feliz quando percebi que o Papai Noel não existia.

Certa noite, com o “monstro” sentado na poltrona de casa, fui submetida à sessão anual de tortura infantil. Após receber o presente eu era obrigada  a dar o bendito beijo de agradecimento. Entre gritos de desespero e sapateadas fui colocada do lado dele pelo colo da minha mãe. Lembro do rosto de cada um daqueles cúmplices traiçoeiros rindo  com regojizo.

Ao chegar perto vi o rosto de papel machê, aquela boca rosa, bochecha lilás-azulada, olhos fingindo  bondade em meio a dois buracos (aliás, o coringa do filme do Batman é a cara do meu Papai Noel...). Eis que  então, por detrás daquela máscara, consegui vislumbrar os cabelos e a nuca do meu dindo. Foi uma das minhas maiores alegrias de infância. Fiquei quietinha, mantive a cena dramática e nunca contei para meus irmãos (eu sabia que para eles seria uma terrível decepção). Nem lembro o presente que ganhei, mas nada me trouxe tanta paz naquele Natal.


Por isso, assim como o mito do Papai Noel, falo do mito do amor, com razoável conhecimento de causa, mas vasta experiência na área. Amor é  amor, seja quantos forem. Tive um grande amor, com todos os ingredientes de um grande romance, incluindo ápices de felicidade plena e um longo e doloroso final. Mas não foi “o meu grande amor”. Foi um grande, mas não único.

 Sempre soube que seria ilusão e perda de tempo achar que nunca mais viria alguém que suportasse meus defeitos, que me achasse engraçadinha com a placa de bruxismo, que me amasse muito, apesar de conhecer meus defeitos, que compreendesse minhas carências e a mania de autosuficiência.

É da minha essência não idolatrar ninguém, mas sei reconhecer as qualidades das pessoas e, principalmente, sei ver quem é capaz de me amar e eu também. Confesso que depois dele, conheci pessoas que poderiam me amar, mas eu não teria a mesma capacidade com elas, não haveria a reciprocidade necessária para se ter um grande amor. Também confundi outras tantas vezes sentimentos meus e dos outros que com o tempo me perdi na busca, deixei os olhos desatentos. 

Na última visita da minha mãe, entre goles de café e alguns desabafos, ela me atentou para essa procura. Disse: “Filha, quando fores procurar um namorado, deseje alguém que tenha caráter, que te ame muito, mas que vá amar ainda os seus filhos e os dele  se já tiver, que não tenha tudo, mas que cresça contigo, que não tire a tua autoridade, que tenha força, mas não a use desmedidamente, que tenha opiniões, mas que seja sensato, que não te deixe jamais constrangida ou te faça sentir humilhada, que possa, após muitos anos se orgulhar de ti e tu dele e por fim, que consigam, mesmo velhos terem ternura um pelo outro, porque ao final da vida vai restar o que vocês construírem e o amor que nutrirem durante a vida”.


Depois disso, fiquei igual aos adultos quando chega novembro, comprando luzes coloridas, pondo bolinhas no pinheiro, ligando estrelas que piscam no telhado, guirlandas desejando boas-vindas na porta e meias na janela, com a pureza das crianças esperando o presentinho que pediu mas não sabe se vem - ao menos de onde se espera - mas que pode acabar chegando pela chaminé, numa virada de esquina  ou batendo a  nossa porta.

Foi assim que fiz as pazes e voltei a acreditar no Papai Noel e amar o espírito de Natal, afinal, têm mitos que devem morrer (como aquele de que só se ama uma vez), mas ilusões que precisam ser mantidas, como de ter todas nossas vontades atendidas... sem dúvidas a maior lição aprendida é  que  o medo é uma invenção da nossa mente e serve para somente  adiar ou nos furtar de grandes alegrias!



Álbum de infância.  Foto minha com Papai Noel somente se ele for meu irmão...








Um comentário:

ID disse...

Excelente texto!
Parabéns mesmo! Muito bem escrito e bem divertido de ler. =]

Dei uma olhada geral no teu blog e me identifiquei com diversas idéias.

Eu costumava usar um "fotolog" para lançar uns textos de reflexão, tipo como alguns dos teus. Pena que não tenho escrito mais... =/ Qualquer hora eu volto.

Continue escrevendo bastante e parabéns de novo,
Beijos.