domingo, 9 de setembro de 2018

De cujus de mim mesma



*  * *

Nem todo suicídio é um execrável ato, muitas vezes é uma ação de coragem. Processo doloroso onde o auto julgamento leva por punição a pena de morte, sendo uma só pessoa a criminosa, a julgadora, defesa, o júri e seu carrasco executor da pena.


E sabe o que é mais curioso disso tudo? uma infinidade de pessoas habitando a Terra que estão mortas sem coragem de cometer o haraquiri.


Óbvio que não falo da morte física, mas da maior de todas as mortes: a da alma. Mas como poucos prestam atenção em sua existência, as pessoas andam por aí com corpos enxutos carregando um cadáver dentro, concomitante com a nova essência que briga por um lugar nesse “latifúndio”. A nova essência tenta expulsar esse corpo estranho, inerte putrefato.


Esse conflito, essa catarse faz com que muitas vezes tenhamos atitudes esquisitas, incompatíveis com nosso cerne. Tantas pessoas irreconhecíveis fazendo uma espécie de exocitose, se deformando para expurgar esse corpo estranho.


Confesso que me vi assim, me olhando no espelho e não reconhecendo o reflexo, nem algumas atitudes. Olhava para os lados e não reconhecia ninguém. Amigos não eram mais amigos, afinidades não existiam mais entre tantos que antes eram de grande enlace. Atividades, valores, lugares, gostos, roupas, quadros, músicas. Parei tudo. Fui ver onde estava me perdendo. Yoga, reiki, meditação, conversas, gritos, silêncios. Parei tudo. Uma grande briga se travou dentro de mim. Uma faxina geral, uma reforma estrutural, processo de retirar aquele defunto que me habitava. E lidar com o luto e desapego de ser grata e deixar ir o que já não mais sou.


Percebi a bagunça que faz ser surdo da própria existência. As mudanças aconteceram paulatinamente, a pobre alma tentou avisar que estava mudando, mas eu continuava certa das verdades que construí desde criança, achando que era dona de mim. Mas, não vi que esse “eu” era o ego surdo, tendencioso e mentiroso que deixei reinar por muito tempo sem dar um limite. Acabou crescendo igual criança mimada, ignorante e raso por essência. Arrogante e prepotente que não pede ajuda, nem conselho, que sai por aí igual “cavalo xucro” dando “coice” e se machucando. Pior: machucando pessoas no caminho. E o mais curioso, percebi que desse rebanho que fiz parte por uns bons meses, tem muita gente que conheço e ele só aumenta.


Creio que essa epidemia de suicídios e depressão são oriundas desta mesma matriz. Ouça você mesmo, mude de religião, vire vegetariana, deixe de ser vegetariana, vire ateu, seja lá o que for, aceite escute e aceite o que sua alma “fala”.


Muitos por vergonha, outros tantos por ignorância ou extremo apego andam por aí sendo “múmias” de si mesmos. O mais curioso é que todos em volta percebem que vivemos como avatares. Creio que meu maior erro foi, pior do que não me ouvir, foi escutar os outros. Todos cheios de opiniões e julgamentos sem de verdade se preocuparem em fazer com que eu me escutasse. Não é de hoje que dizem que o erro é uma escola, mas eu diria que os momentos de queda são como máquina de lavar: sacode tudo, lava, tira a sujeira, te limpa e te devolve todo amassado, mas leve e perfumado. Tira os falsos amigos, perdoa-te os erros, organiza os pensamentos, devolve-te novinho para novas lições, para se sujar de novo e começar o novo ano letivo nessa escola sem fim.


Só sei que consegui enterrar meu cadáver com honras e pompas, eternamente grata pelo que fui e feliz com a criança serelepe que está crescendo em mim. Nada de dramas ou ressaca moral. Tenho pedidos de perdão para quem magoei, devo, principalmente desculpas à minha jovem nova alma que por meses deixei dormir no relento. Mas, agora está tudo certo, ela está aqui dentro de mim protegida e bem alimentada e sapeca pulando poças, descalça.


Quanto a você, vasculhe seu terreno e veja se não tem nenhuma parte morta que anda “fedendo” por aí. Enterre, torne-a adubo e vai cultivar teus novos sonhos. Da mesma forma  como tirar cutícula, cortar unhas, cabelos, a alma também carrega uma parte morta. Assim como erva daninha, deve ser podada. Não seja um cadáver ambulante, não seja um blefe. Na verdade é libertador e muito fortalecedor ser eu de cujus de mim mesma.




3 comentários:

Unknown disse...

Engracado, uma vez perguntei ao meu psicólogo sobre pensamentos de suicídio, coisas leves mas eu me perguntava porque aquilo se passava na minha cabeça. Muito simples ele me respondeu que era culpa, provavelmente está culpa era a falta de amor proprio, ou seguindo tua linha, um ser dentro de um corpo cheio de pensamentos negativos e vitimismo inexplicáveis. Está pausa que mencionou de parar com tudo, ela se apresenta no fim da linha, avaliar o que evoluiu até este momento e recomeçar do zero, resgatando o que de bom havia e disposto e atento no que está experiência atrai para perto de nós, ainda bem que a vida constrói e distroi e vagas pessoas seguem seu rumo, com certeza ensinamentos também elas levam da nossa pessoa. Na verdade tempo o bastante nunca houve e nunca haverá o suficiente enquanto não prestar atenção no aqui e agora, compreendendo e entendendo de passo em passo este caminho a seguir, o caminho se faz ao caminhar e só os meus pes sabem o peso da minha caminhada.

Unknown disse...

Muito boa reflexão. Concordo. As mudas da ecdise podem ser tantas quantos forem necessário pra eficiência do processo auto evolutivo. O que não se adapta, não muta, e não evolui, se extingue.

Fabrine disse...

Aliás esse lance de ecdise tem a ver com o exoesqueleto daquelas aranhas caranquejeiras que mudavam de "corpo" lá em casa, tuas crias? Creio que sim. Até escrevi sobre isso uma vez mas não sabia dessa alcunha . 👏👏