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Em uma conversa com amigos ouvi
algo que me pôs a pensar. Um deles falou sobre as voltas da vida. Todos já
conhecemos os motes: a vida dá voltas, o fulano vive em volta do próprio
umbigo, minha cabeça está dando voltas, e por aí vai... De fato, a vida dá
voltas. Assim como a Terra, onde os ciclos são marcados pelas voltas em torno
do sol, da lua, de seu próprio eixo. Talvez caiba a analogia entre as voltas
que damos na a sociedade, na nossa família e em nós mesmos. Sim! A vida é feita
de voltas. Pensa comigo sobre seus dias. Desde que acorda até a hora de dormir,
quantas voltas você dá? Volta entre o quarto e o espelho do banheiro, volta da
casa até a padaria, ao trabalho, da sua mesa à sala do chefe, da firma até o
restaurante, do final do expediente até a academia, à escola do filho, depois
ao mercado, voltas entre a geladeira e o sofá... entre o escovar dos dentes ao
deitar na cama.
A vida é feita nessas voltas que
repetimos todos os dias como um mantra. Dar bom dia ao porteiro, a moeda para o
flanelinha, esquentar a marmita... aí é que a vida habita. É esse interregno de
tempo que come os dias ou os alimenta. Isso é você quem deve saber. Como fala a
linda música “contigo’’ do Joaquim Sabina... yo no quiero comerme una manzana
dos veces por semana sin ganas de comer. Não engulo mais nada que não quero.
Posso não gostar de algo e comer pois aceito a necessidade e passo a gostar.
Por isso todo dia no café tomo suco verde. A vida é reiterar, é depurar o
paladar. Há voltas chatas que é preciso sempre percorrer. Um casamento onde ainda
há amor, deve voltar, mas tirar a erva daninha do caminho e fazer uma nova
plantação. A academia é um saco, mas você pode pedalar ou aprender a nadar. O
emprego é uma prisão, mas lembra que nas suas leis não há pena perpétua. Há
voltas que devemos mudar.
Você detesta o trabalho, mas
sempre volta. Odeia academia, mas três vezes por semana está lá. O casamento
está uma guerra, mas você se deita com quem tem o outro par da aliança e muitas
vezes diz que é por causa das crianças...
Seu corpo se nutre do que você escolhe pegar no mercado entre a
prateleira e o caixa e no abrir e fechar da geladeira. Na zona de conforto
moram muitas voltas que são ciclos viciosos e, na vã tentativa fugir, nos
embriagamos numa inconsciente sabotagem. Uns passam horas em frente à TV,
outros comem até se empanturrar. É trabalhar sem parar, cuidar dos filhos sem
se cuidar, todo dia passar no bar, malhar, malhar, malhar, é também se isolar
ou nunca se envolver... os excessos são tentativas de fugas de algum lugar que
não queremos voltar. Porém, a prisão sempre nos acompanha, ela está na mente e
o cadeado da cela está aberto, mas é difícil enxergar. Muitos têm medo de sair
do lugar.
O milagre da vida acontece na saída pela
tangente. É impulso, não frear nem encurvar. É fazer um novo caminho arrancando
à força a cerca que te prende e deixa sua existência nanica como um bonsai. Ninguém
é um hamster fadado a passar a vida na gaiola, gastando energia naquela rodinha
infame. Vivemos acorrentados, porém, a prisão
está na mente e o cadeado da cela está aberto. A vida é caminho entre o alvo e
a seta, você só precisa decidir onde quer chegar. Te digo com toda propriedade,
essa resposta está no curto trajeto entre o espelho e o seu olhar. Mire nesse
alvo e saia da curva. Tome
coragem chame a vida para dançar. Há quantos anos você não dá uma cambalhota na
cama antes de deitar?
Obs.: Como tema de casa, para
quem gostou do texto, recomendo fortemente que escutem a música “Quem me leva
meus fantasmas” do poeta português Pedro Abrunhosa na voz da Betânia. Foi a
trilha sonora para escrever essa crônica.
Um comentário:
Belo texto. Como os outros, um castelo de cartas.
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